Novo filme de terror do diretor Eli Roth, que já está em cartaz nos cinemas, usa da estrutura típica de um slaher movie para fazer críticas ao consumismo desenfreado
Por Nilvio Pessanha
O filme de slasher é uma obra onde um assassino persegue e mata um grupo de pessoas usando, geralmente, um objeto cortante que o caracteriza – machado, serra elétrica, faca etc. As motivações são variadas, mas geralmente estão ligadas a um evento traumático ocorrido no passado – como o afogamento de Jason Voorhees, da franquia de Sexta Feira 13, no lago do acampamento Crystal Lake, por exemplo. O slasher movie, como subgênero do cinema de horror surgiu nos anos 70 do século passado como filmes como A Mansão da Morte (1971) e O Massacre da Serra Elétrica (1974).
De lá para cá, o slasher ganhou força entre os fãs do horror e vários filmes com personagens emblemáticos. Porém muitos dos filmes mais recentes trazem pouca coisa de novo ao subgênero, além de mostrarem tramas totalmente descoladas de como o filme de slasher representa a sociedade, aspecto que podemos perceber em muitas obras desse segmento do cinema de horror. O slasher movie já nasceu com essa característica de refletir problemas e conturbações sociais da sociedade estadunidense, haja vista que o seu surgimento reflete um fatalismo e um medo expressos por um período de pós e entre guerras – Vietnã, Guerra Fria. Porém, com a cristalização da estrutura e de elementos característicos do gênero, vemos cada vez mais obras que se distanciam desse aspecto sócio-político do slasher.
Agora chega aos cinemas “Feriado Sangrento”, o mais novo filme de Eli Roth, diretor de filmes como “O Albergue” (2005) e “Bata Antes de Entrar” (2015). O filme mostra um grupo de pessoas que se envolvem num grande incidente no dia do feriado do Dia de Acão de Graças dentro de uma loja varejista. Um ano depois do ocorrido, um assassino serial surge matando as pessoas envolvidas. Eli Roth, que além de dirigir também escreveu o roteiro junto com Jeff Rendell, não traz necessariamente algo de novo ao slasher, mas usa da batida estrutura narrativa do subgênero para abordar a questão do consumismo desenfreado dos nossos dias. Logo no início do filme vemos duas famílias se preparando para o jantar do Dia de Ação de Graças. A família do dono da principal loja da cidade, a Right Mart, e a família do gerente da loja que tem que deixar seus familiares em meio à celebração para organizar a abertura do estabelecimento em plena época de Black Friday. Nesse momento Roth usa do consumismo cego, mais precisamente da horda de pessoas desesperadas para comprar, como o elemento de terror nessa situação inicial da trama. A abertura da loja sai do controle e isso resulta em pessoas feridas e mortas. Um ano se passa e vemos a cidade novamente às voltas com os preparativos para o feriado, mas com as lembranças do incidente pairando sobre a população que passa a ser atormentada por um assassino em série que começa a matar pessoas envolvidas no evento passado.
Por falar em assassino, o que é um filme de slasher sem um matador sanguinolento bem caracterizado? E John Carver é um belo exemplo de acerto na caracterização de um assassino slasher. Vestido de peregrino e usando a máscara de John Carver, uma fictícia figura histórica da cidade, o matador em série surge e vai empilhando corpos com direito a muita violência gráfica, algo que é a especialidade do diretor. Outro elemento que não pode faltar num slasher movie é uma boa final girl. E temos aqui, Jessica, uma personagem bem construída e bem interpretada por Nell Verlaque. Outra figura importante é o personagem de Patrick Dempsey, o xerife de Plymouth.
Os personagens típicos do subgênero estão lá, um esportista metido a gostosão, um nerd, o garoto esquisito, entre outros. Além de trazer uma típica trama no estilo whodunit, quetraz a ideia do “quem matou?”, também comum no subgênero, vide “Pânico”, de Wes Craven. Mas o grande mote do filme é colocar toda essa estrutura narrativa a serviço de uma crítica ao consumismo, ao que se tornou um feriado que surgiu, dentro da sociedade estadunidense, como uma data para agradecer e confraternizar em família. Porém a avidez capitalista por lucro transformou tudo em mais uma data de mais frenesi pelo consumo – não que essa data já não carregasse bastante hipocrisia, mas aqui não é o momento para debatermos sobre isso. E esse consumismo, num primeiro momento é o elemento de terror e é a causa para o surgimento do assassino. Há ainda espaço para inserir na discussão a necessidade de tudo ser filmado e viralizado, a sociedade Tik Tok. Num determinado momento do filme, o assassino fala para um dos personagens que o vídeo que ele fez das pessoas caindo, se machucando e morrendo na loja no incidente inicial, foi inspiração para também fazer lives expondo seus assassinatos.
“Feriado Sangrento” não reinventa a roda, mas pega uma roda que estava bem gasta e dá uma boa recauchutada nela. Em outras palavras, Eli Roth não chega a nos brindar com um banquete de Ação de Graças, mas faz um belo feijão com arroz com alguns bons acompanhamentos que descem muito bem.
Um sonho, um trailer, um filme
O diretor Eli Roth revelou que a ideia para o filme já havia surgido num sonho quando ainda tinha 12 anos. Essa ideia virou um falso trailer que foi exibido junto com “Grindhouse” (2007), filme de seu amigo Quentin Tarantino. E só agora realmente virou um filme com Feriado Sangrento que já está em cartaz nos cinemas nacionais.
Nilvio Pessanha é professor da rede pública, produz o podcast Cine Trincheiras e é um curioso sobre cinema, além de ser vascaíno.