Em cartaz na Mubi
A precariedade travestida de potência é um lastro estético que irá passear por toda a produção cinematográfica pós-colonial da década de sessenta em diante, que tenha como mote, em maior ou menor grau, um olhar crítico acerca da realidade material na qual se encontra inserida.
No caso de Pesadelo Perfumado (Mababangong Bangungot), o cineasta & roteirista & produtor & protagonista Kidlat Tahmik se utilizará dessa escassez como combustível onírico para as fantasias que povoam a mente de um habitante da periferia do capitalismo, ludibriado com as notícias de progresso tecnológico made in USA que escuta em uma rádio estadunidense na modesta aldeia filipina onde reside.
Pois bem, se Júlio Bressane em Viola Chinesa apregoou que Cinema é sonho, a arte do futuro é a arte do sonho: o melhor cinema será feito por aquele que mais sonhar, o filme de Tahmik parece assumir a responsabilidade de tomar para si a tarefa de realizar um cinema onde o sonho não só seja permitido, como sirva de disfarce para as chagas sociais paridas por séculos de colonização e saqueamento patrocinados primeiramente pela coroa espanhola e posteriormente pela Casa Branca.
Mas aqui cabe dizer que tal disfarce não surge como forma de mera alienação destinada a vendar os olhos daqueles que não sentem as correntes que os oprimem; no lugar disso, irrompe o cinema como subterfúgio para materializar as inevitáveis contradições que residirão no fazer artístico de um aldeão que ganha a vida dirigindo um jeepney (espécie de jipe construído com sobras de automóveis militares egressos da Segunda Guerra), almeja viver o famigerado American Dream e acaba indo parar na França, onde sobreviverá às custas de subempregos.
Ou seja, a atmosfera onírica é modelada sob um viés autoconsciente que servirá de contraste para as imagens — muitas vezes chocantes — que serão exibidas em tela, sem renunciar a um deboche agridoce que adicionará inesperados contornos de espirituosidade às mazelas pelo filme apresentadas.
Embora possa parecer caótica numa primeira vista, a mescla de formatos que compõe a montagem encaixa-se sob medida à estética de uma obra cuja natureza contestatória reside justamente na crença que o seu realizador parece creditar às imagens que filma, sem jamais temer pisar em terrenos espinhosos e sair ileso de potenciais armadilhas, tais como humor caricato, apelação gratuita ou sentimentalismo tacanho.
Pelo contrário, há aqui um trabalho cuja força advém justamente da coragem de quem optou por se debruçar sob e sobre as feridas coloniais, tanto as latentes quanto as palpáveis, para delas sorver os elementos constituintes da narrativa por ele concebida.