cinema sob uma perspectiva contra-hegemônica

“Serra das Almas”, mais um bom “filme de Nordeste”

Novo filme do pernambucano Lírio Ferreira estreia nesta quinta, dia 24

É comum ouvir críticas equivocadas ao cinema nacional. Algumas até envoltas de um cunho preconceituoso, como a de que cinema brasileiro só faz “filme de favela” ou “filme de Nordeste”. Está claro nesse tipo de crítica o elitismo e a xenofobia em relação ao cinema nordestino. Serra das Almas novo filme do diretor pernambucano Lírio Ferreira, pode muito bem ser enquadrado na “categoria” de “filme de Nordeste”.

A trama do filme traz dois traficantes de joias que são emboscados por policiais, após terem roubado e matado um outro grupo de contrabandistas. No meio do tiroteio, os dois fazem uma jornalista e uma estagiária de reféns. Eles buscam se refugiar na casa de um amigo de infância, numa cidade no interior de Pernambuco, onde cresceram. Logo no início do filme, nós vemos um dos aspectos maios positivos do filme que é o recurso da edição paralela. A história abre com a personagem vivida por Mari Oliveira banhando-se tranquilamente num rio, num ambiente rural, enquanto a edição alterna com um grupo num carro, fugindo freneticamente por vielas de uma favela.  Essa montagem paralela vai se repetir por quase todo o filme, quando teremos o momento presente se alternando com flashbacks para conhecermos mais a fundo os personagens e as ligações entre eles.

Isso nos permite entender as causas dos focos de tensão que vão surgindo entre vários personagens. Por exemplo, entre a jornalista e a estagiária vemos um conflito proveniente do fato de a jornalista ser amante do pai da estagiária que é o dono do jornal. Uma dessas tensões gera o ponto de virada da trama que não revelarei para não dar spoilers. A partir deste ponto de virada, o filme, que vinha preparando o expectador com a tensão numa crescente, ganha em cenas de ação com embates entre os personagens. Cenas de ação, inclusive, que são bem feitas pela direção de Lírio Ferreira. A sequência da perseguição ao carro dos dois traficantes é muito boa. Com cenas bem aceleradas, num ritmo frenético, que acaba em um plano geral mostrando a favela com o mar ao fundo, após a fuga dos criminosos.

O elenco também entrega um trabalho muito competente. Ravel Andrade e David Santos entregam boas atuações como os dois traficantes de joias e amigos de infância. Fica bem convincente a dinâmica entre eles onde Gislano (Ravel) se coloca como o líder e o outro, Charles (David), é uma bomba que pode explodir a qualquer momento. A atuação de David Santos cresce muito no final. Mari Oliveira é outro destaque no filme como Vera, entregando uma atuação sutil e sensível. Fica nítido, porém, que o principal destaque é a direção de Lírio Ferreira. Usando elementos como a já citada edição, ele consegue construir um thriller com uma atmosfera de tensão que cresce progressivamente. Consegue mostrar de forma competente a evolução dos personagens e seus dramas. Uns com o sonho de sair daquele lugar, de crescer, de ter sucesso, como é o caso de Gislano que tinha o sonho de ser deputado nos EUA, ou David Santos que queria ser palhaço. Já outros como Vera e Ricardo (Jorge Neto) que foram atravessados por todo o caos gerado, pareciam querer apenas viver sua vida sem problemas.

Serra das Almas é um bom thriller psicológico, com um elenco afinado e uma direção competente. É mais um dos muitos filmes nacionais que fazem valer bastante a ida ao cinema. Mais um dos muitos bons “filmes de Nordeste”!