Filme dirigido por Walter Salles adapta obra homônima de Marcelo Rubens Paiva, é o escolhido pelo Brasil para tentar uma indicação ao Oscar e já está nos cinemas.
A ditadura civil-militar, que se instalou no Brasil em 1964, teve, oficialmente, entre mortos e desaparecidos, mais de 434 pessoas – embora haja um estudo do pesquisador Gilney Viana que aponta para mais de mil camponeses mortos ou desaparecidos. Entre as pessoas oficialmente assassinadas pela ditadura está Rubens Paiva. O engenheiro e ex-deputado – cassado durante a ditadura – foi preso em 1971 por homens que entraram na sua casa e o retiraram de sua casa. O levaram para o Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI), de onde não voltou mais para sua família, composta por esposa e cinco filhos. Só em 1996 Eunice Paiva, sua esposa, conseguiu obter um atestado de óbito do marido.
Os agentes da ditadura torturaram e mataram brasileiros e brasileiras que buscaram, de alguma forma, resistir ao obscurantismo autoritário dos militares. Privou várias crianças de crescerem em convívio com seus pais ou mães. Foi o caso do escritor Marcelo Rubens Paiva, filho do ex-deputado Rubens Paiva. Autor de “Ainda Estou Aqui”, o escritor construiu uma obra de um memorialismo potente, terno e emocionante, que serve de base para o filme homônimo, dirigido pelo experiente e consagrado diretor Walter Salles, que também mostra – à sua maneira, sem cair no equívoco de comparar mídias tão distintas – ternura, sensibilidade e força.
Ainda Estou Aqui, o longa-metragem, acompanha a família de Marcelo Rubens Paiva (Selton Mello), durante momentos anteriores à sua prisão e após ela, com Eunice (Fernanda Torres) tendo que superar a ausência do marido enquanto tentava administrar as finanças da casa e cuidar de seus filhos. Por falar em Eunice, aqui está uma diferença em relação à obra literária. O livro, narrado em primeira pessoa, foca nas memórias do próprio Marcelo Rubens Paiva, portanto há um foco maior nas experiências, vivências e lembranças do escritor, embora haja grande destaque para a mãe. Já no filme, a protagonista é a Eunice, principalmente a partir da prisão de seu marido.
O trabalho de adaptação foi excelente, tanto a trama bem criada por Murilo Hauser e Heitor Lorega, que assinam o roteiro, que inclusive foi premiado no Festival Veneza, quanto a tradução da história em imagens, feita pelo diretor Walter Salles. Lendo o livro, podemos perceber o quanto deve ter sido trabalhoso para adaptá-lo. As memórias do narrador, por mais que sigam uma linha narrativa, também seguem o fluxo típico de memórias de qualquer pessoa, vão e vêm, seguem numa direção e depois fazem curvas, dão saltos e por aí vai. Então é complicado traduzir todo esse fluxo de consciência para um roteiro cinematográfico e para imagens, porém essa missão é cumprida com bastante competência. O ritmo mais lento e terno do início do filme, deixando a câmera passear pelo cotidiano da família, entretanto, com o fantasma da ditadura à espreita. Após a prisão de Rubens Paiva, o tom muda para algo mais dramático, tenso. Sobretudo nas sequências de Eunice presa para prestar depoimento. A câmera fechada na personagem dentro da cela intensifica a tensão psicológica pela qual está passando, assim como a tonalidade claustrofóbica daquele momento.
Vale dizer que não há como falar de Ainda Estou Aqui e não falar de Fernanda Torres. Sua interpretação da mãe de Marcelo Rubens Paiva é esplendorosa. A atriz consegue captar magistralmente todas as nuances da personagem, contribuindo assim para podermos ver em tela a mudança de cada tom dentro da trama. Fernanda Torres nos apresenta uma Eunice alegre e leve no início e, depois, vai deixando surgir uma mulher com um peso, porém forte e protetora de seus filhos. Selton Mello também está bem como o ex-deputado, mas é Fernanda Torres quem consegue impactar com sua Eunice Paiva.
Ainda Estou Aqui é um filme que mostra que ainda há muito o que se falar sobre o período ditatorial por qual o país passou. Principalmente em tempos que nossa frágil democracia burguesa enfrentou – e ainda enfrenta – ameaças. É um filme que emociona, pode te fazer chorar, mas pode também te fazer sair fortalecido por uma família que passou por um imenso trauma, mas ainda assim não deixava de sorrir. Vá! Assista! Leia! E está tudo bem se sentir vontade de chorar tanto lendo o livro quanto vendo o filme. O dono das mãos que escrevem esse texto também chorou.
Ainda Estou Aqui e o Oscar
Ainda Estou Aqui foi escolhido pela Academia Brasileira de Cinema para representar o Brasil na disputa pelo Oscar de Melhor Filme Internacional. E após sua excelente recepção em Veneza e Toronto, o filme estreou em Nova York e já está sendo apontado como um dos que realmente tem chances de conquistar, não somente a indicação, mas a estatueta de Filme Internacional. Mais de uma lista já trouxe o longa-metragem de Walter Salles figurando entre os que têm chances reais de vencer. Além disso, o filme conquistou o prêmio de melhor roteiro no Festival de Veneza e passou a ser apontado como uma das obras que podem obter uma indicação ao Oscar de Melhor Roteiro Adaptado. Por fim, Fernanda Torres surge com chances de ser indicada ao Oscar de Melhor Atriz. A brasileira foi homenageada pelo Critics Choice Awards e arrancou elogios da crítica internacional.