cinema sob uma perspectiva contra-hegemônica

AMADO PAI: O horror cósmico lovecraftiano de Leo Miguel

Selecionado por vários festivais de cinema nacionais e até do exterior, o filme Amado Pai é o primeiro longa-metragem dirigido por Léo Miguel, diretor premiado com vários curtas, como o ótimo Duas Coxinhas (2021) e Âmago (2018), e traz uma corajosa empreitada pelo horror cósmico.

O desconhecido, a ameaça para além da nossa compreensão, como elemento de terror é a essência do horror cósmico, cujo maior expoente é H. P. Lovecraft. O escritor estadunidense e suas obras influenciaram não apenas uma gama de escritores, mas também outras artes, como o cinema.  Sabemos que fazer cinema no Brasil é um baita ato de resistência, fazer cinema de horror nacional então nem se fala. Por isso que só o fato de Léo Miguel fazer um filme de horror cósmico com inspirações lovecraftianas já é digno de elogios. Mas não é só isso, Amado Pai, apesar de alguns pontos de desacerto, é uma obra bastante louvável, principalmente quando abraça o horror cósmico.

O filme acompanha Samuel (Paulinho Serra), que se vê obrigado a largar tudo e voltar ao local onde passou sua infância para cuidar do pai doente (Ataíde Arcoverde), que o abandonou após sua mãe morrer num incêndio. Voltando para cuidar do seu pai, Samuel encontra Dona Mariazinha, a misteriosa senhora com quem seu pai morou depois de abandoná-lo. Estabelecida essa premissa básica, o filme passa a explorar a rotina de Samuel para cuidar do pai e se ambientar no local, através de um bom trabalho de edição. E o que vemos na tela é o protagonista buscando superar a suas questões em relação ao pai, enquanto vai cuidando do velho que tem o corpo repleto de estranhas feridas. Aqui vale também um elogio para o bom trabalho com efeitos práticos. Além disso, o filme vai criando aos poucos uma atmosfera de que há coisas obscuras no ar, seja através da figura de Mariazinha que vai se mostrando uma pessoa misteriosa, aliada a seus estranhos filhos, seja por enigmáticos acontecimentos que vão ocorrendo com Samuel e o pai.

Um problema que surge é que a trama demora um pouco a evoluir. A sensação é a de que, por volta, da metade do filme até o início do ato final, poderiam ocorrer fatos mais relevantes para a história ou situações que elevassem ainda mais a tensão. Tanto que os momentos em que o longa abraça o horror cósmico são os melhores, sobretudo no ato final. Ficou a impressão de que poderia ter mais dessa viagem lovecraftiana no filme. Outro elemento que poderia estar melhor no filme é o áudio. Em certos momentos, parece que a captação do som não ficou de maneira mais assertiva. Esses pontos, porém, não chegam a estragar a experiência fílmica. Como disse antes, o filme cresce à medida que a tenção e a viagem pelo horror cósmico avançam.

Algo que não pode deixar de ser mencionado são as atuações de Ataíde Arcoverde e de Paulinho Serra. Arcoverde tem pouquíssimas falas como Seu Agenor, mas sua expressão corporal ajuda a transmitir a noção de fragilidade e debilidade do personagem. Já a atuação de Paulinho Serra é bastante destacável. Sua interpretação de Samuel contribui para a sensação de que há algo sinistro no ar. Em certo momento, conversando com seu amigo Vicente por videochamada, Samuel diz: “esse lugar tá me minando”. E o ator consegue passar muito bem essa sensação de alguém que está cansado, que está tendo suas forças sugadas. A escalação de Paulinho Serra, um artista mais conhecido por números de comédia, pode ter gerado certa curiosidade inicialmente, mas se mostrou um grande acerto da direção.

Como já foi dito, apesar de alguns pontos de desacerto, Léo Miguel consegue mostrar que seu Amado Pai é mais do que apenas uma boa ideia. O filme que foi feito na raça, com o auxílio de um financiamento coletivo, merece bastante ingressar o circuito comercial e ser visto por um grande público. Já seria um bom prêmio para o primeiro longa-metragem de um diretor que mostrou ter competência e ousadia.