Afeto e ancestralidade.
Dé (Big Jaum) mora com a avó, dona Almerinda (Teca Pereira), que sofre de Mal de Alzheimer em estágio avançado, na comunidade da Chatuba, localizada em Mesquita, município da Baixada Fluminense; o estado de saúde da idosa vem piorando gradativamente, ela já não consegue se comunicar verbalmente e depende do neto para realizar todas as atividades de seu cotidiano, incluindo a higiene pessoal.
Não bastasse isso, a casa alugada em que moram está com três meses de aluguel atrasado, o que rende constantes cobranças da proprietária daquele imóvel, apelidada de Bruxa de Blair pelos melhores amigos de Dé, Adrianim (Diego Francisco) e Martins (Ramon Francisco).
Eis a premissa de Kasa Branca, novo longa-metragem dirigido por Luciano Vidigal, que fez sua estreia no Festival do Rio, dia 5 de outubro. Os elementos descritos acima apontam para um filme que poderia facilmente apostar em um melodrama pesado, carregado, talvez apelativo.
Felizmente, não é o que ocorre aqui.
Sim, evidente que há drama, não haveria de ser diferente diante das dificuldades passadas pelo protagonista, um jovem preto, desempregado, morador de comunidade, que foi obrigado a tomar para si a árdua tarefa de tornar-se responsável pela vida da avó, sem o auxílio de nenhum outro familiar: seu pai, morador do Vidigal, ausentou-se de sua vida quando Dé ainda era muito novo.
Para sua sorte, ele possui grandes amigos, em especial os já citados Adrianim e Martins, que estão sempre dispostos a ajudá-lo nas horas mais difíceis, não poupando esforços e em algumas ocasiões se valendo de estratégias que resvalam na criminalidade; e é justamente essa fraternidade que ditará a atmosfera do filme.
Kasa Branca transborda afeto, sem abdicar de retratar as variadas modalidades de opressão que afligem os moradores de uma região periférica, especialmente a população preta: corrupção policial, contato com a milícia, descaso de agentes públicos que deveriam servir à comunidade, tudo isso é mostrado em tela.
Em contrapartida, a direção não possui pudor em rechear de sensibilidade as relações de companheirismo que norteiam os conflitos de seus personagens, como que a evidenciar que, para além da violência, tão incansavelmente explorada no audiovisual brasileiro, a favela também exala potência afetiva, por intermédio dos laços de amizade e cooperação mútua.
Tudo isso envolto pelo lastro da ancestralidade, outro elemento que irá surgir aos poucos, sem pressa, mas que paulatinamente ganhará força, até se tornar a mola propulsora em uma das cenas mais arrebatadoras do longa, quando irrompe o canto como instrumento para prestar tributo à memória daqueles que partiram.
Kasa Branca se destaca não apenas pela narrativa tocante, mas também pela forma como humaniza as vivências de seus personagens em meio a um cenário de adversidade.
Luciano Vidigal consegue fundir amarguras dramáticas com momentos de sutileza, criando uma representação sensível e plural da vida nas comunidades periféricas, com o devido respeito às individualidades daqueles sujeitos.
O filme não se limita a expor as dificuldades enfrentadas por Dé e sua avó, mas também celebra a força dos laços de amizade e a importância da ancestralidade, lembrando-nos que, mesmo diante de barreiras colossais, a solidariedade pode – e deve – ser fonte poderosa de resistência e transformação.
Uma resposta para “Festival do Rio | Kasa Branca”
[…] minha crítica eu escrevi que Kasa Branca é um filme que transborda afeto, mesmo sem abrir mão de retratar os […]