Nossa coluna de hoje traz a querida Tati Regis, não só falando do início da relação com o cinema de horror, mas também nos mostrando que filmes de terror, além de não terem trazido nenhuma energia ruim para ela, trouxeram um amor para sua vida.
Desde que me entendo por gente, os filmes de terror sempre estiveram presentes na minha vida, para o bem ou para o mal. Minha relação com eles começou cedo, embora no início tenha sido marcada por muito medo, pois a primeira lembrança que tenho é desobedecendo ordens dos meus pais para não assistir o primeiro filme de terror que me deixou um trauma considerável, Tubarão, de Steven Spielberg. Eu era muito nova quando assisti, acho que devia ter uns 6 … 7 anos e esperei eles dormirem pra ligar a TV.
A casa estava toda escura, óbvio, e tínhamos aquela planta jibóia espalhada pelas prateleiras mais altas da estante. Ela ramava para outros cantos da casa e, não sei bem o que rolou, só sei que a sombra da tv projetada nas paredes somada ao vento que entrava balançando as folhas enormes, me fez pensar que talvez, sei lá…um tubarão enorme estivesse me assombrando? RISOS Percebendo hoje, parecia que eu estava dentro de um dos filmes do Val Lewton e aí o resto foi só a imaginação de uma criança assustada que sabia que estava trelando.
Recife ainda nem sofria com os inúmeros ataques nas praias que passou a sofrer na década de 90, estamos falando ainda do final dos anos 80, 1987 ou 1988, talvez. Eu sei que aquela tensão do mar, da água que de repente se tornava um lugar de morte, mais a trilha impecável de John Williams, me fez ter pesadelos e dormir de luz acesa por muito tempo da minha vida.
Mas, como a vida é uma bela contradição, eu queria mais daquela sensação e, à medida que fui crescendo, eu acabei abraçando o gênero com a franquia Sexta-feira 13. Só que a conexão com a figura inabalável do Jason, foi além da tela pra mim. Eu nasci numa sexta-feira 13, e, como todo adolescente ególotra, eu achava o máximo ter uma ruma de filmes em homenagem ao meu dia de aniversário. É quase como se, de algum jeito, o terror estivesse no meu destino. Talvez por isso eu tenha aprendido a gostar tanto de filmes de terror – eles sempre me lembram que, assim como o Jason, a gente continua de pé, mesmo depois de enfrentar nossos medos.
Aí foram surgindo outras conexões, veio o Cine Trash, programa apresentado por Zé do Caixão que, também descobri fazer aniversário no mesmo dia que eu. Oh, salve a sexta-feira 13!!! Salve José Mojica Marins!
Eu sei que nem tudo foram sangue, caixão e vela preta, passei um tempo afastada do gênero, na época eu queria ser adulta, aí que idiota! Só queria saber dos dramas, quanto mais drama pra esquecer os anos de depressão, melhor. Não sei se foi o trauma do Tubarão que ficou ali guardado em algum lugar, me fazendo pensar duas vezes antes de mergulhar em mais sustos, ou se a rotina da vida me levou por outros caminhos. Mas, a verdade é que houve uma pausa. Eu até assistia alguma coisa aqui e ali, mas o gênero não tinha mais aquele impacto que teve na minha infância e adolescência.
Foi só anos depois, e aí não lembro qual foi de fato o gatilho para esse retorno, mas lembro que o interesse passou do mero assistir a filmes a estudar o gênero quando conheci Queops. Na época não éramos casados ainda e eu ouvia o podcast que ele fazia parte. Foi então que percebi que não só gostava de assistir, mas queria entender mais a fundo, estudar e escrever sobre o gênero. Queops foi uma influência importante nesse processo, me mostrando filmes, discutindo ideias e me incentivando a mergulhar de vez nesse mundo. A partir daí, o terror voltou a ser mais do que um passatempo – virou parte do que eu faço, pesquiso e escrevo com paixão.
Para terminar, o interesse pelo gênero terror vai muito além do simples entretenimento, ele se transforma em uma forma rica de exploração cultural, comportamental e emocional. Mergulhar nesse universo, como eu fiz com a ajuda do Queops e de tantas outras que encontrei nesse caminho de produção de conteúdo, revela não apenas a complexidade das narrativas e a profundidade dos temas, mas também desmistifica ideias preconcebidas, como a crença de que o terror atrai “energia ruim”, coisa que ainda ouvimos e lemos internet afora. Na verdade, o gênero pode servir como um espaço seguro para confrontar e compreender nossos medos, promovendo reflexão e conexão, há, inclusive, estudos sobre isso. A paixão pelo terror nos permite celebrar a criatividade e a diversidade de experiências, provando que é perfeitamente saudável e enriquecedor gostar do que, para alguns, pode parecer incompreensível. Afinal, o terror não é apenas sobre medo ou sustos, mas também sobre liberdade, autoconhecimento e a chance de encontrar beleza nas sombras. E é aquilo que sempre falam, nada mais apavorante e assustador do que o horror da vida real, esse, de fato, nunca vai superar a ficção.
Obrigada a Nilvio e ao Cine Trincheiras pelo convite e pelo exercício de memória, foi divertido e um prazer escrever esse texto.
Tati Regis é recifense, licenciada em Artes Visuais, entusiasta do gênero horror, tema que pesquisa e estuda avidamente. Produz conteúdo sobre o tema, com atenção nas questões de gênero e raça. Escreve para seu próprio blog e também é colunista no site Horrorizadas, 365 Filmes de Horror e Filmicca. Pesquisa pautas para o podcast Mundo Freak, participou com artigos para o livro “O Melhor do Terror dos Anos 90”. Ministrou pelo MIS-SP junto com Queops Negronski e Carlos Primati o curso A História do Cinema de Horror Negro e colabora como curadora e júri para festivais de cinema.