cinema sob uma perspectiva contra-hegemônica

Sexta-Feira 13: Pedro Lauria

O convidado de hoje é Pedro Lauria, que nos traz uma crônica sobre o poder evocativo da imagem no cinema de horror.

Não é raro vermos nos estudos de cinema uma máxima constante: a busca pelo poder das imagens. São inúmeras as propostas de estatutos éticos e/ou estéticos que visam pensar sobre ela. São muitos aqueles que deliberam sobre a importância de gerar imagens que persistem, que trazem discussões, memórias, reflexões, contradições. Imagens que não são esquecíveis, consumíveis, descartáveis…

Quisera o horror, o gênero tantas vezes atribuído ao trash, ao bobo e ao sem valor, ser justamente aquele que melhor domina o poder da imagem.

Afinal, a imagem que assusta é também uma imagem que não é esquecida. É uma imagem que nos acompanha por anos e anos. Uma imagem marcada e cicatrizada em nossa mente. Uma imagem que opera em nossos medos e retorna em nossos pesadelos.  

O horror é tão competente em criar imagens que duram, que o faz até com imagens que não são vistas. Afinal, mesmo quando nós escondemos os olhos com as mãos em uma cena horrível, uma imagem é formada em nosso inconsciente, além filme. Podemos não olhar para aquilo que está na tela enquanto nos escondemos embaixo dos lençóis, mas esteja certo – aquela imagem nos afeta. Mesmo sem nunca ser vista.

Isso quando nós não criamos imagens que não existem. Por exemplo: quantas pessoas não tem, materializadas em sua memória, a forma e o rosto do famigerado bebê de Rosemary? Uma criatura infinitamente assustadora – que, ao ser construída em nosso inconsciente, será sempre mais impactante que uma imagem produzida por um estúdio de Hollywood.

E quantas vezes não deixamos de ver um filme por ter medo de suas imagens? Antecipamos sua força sem nunca ao menos tê-las visto. É verdade que por vezes nós nos decepcionamos. Por exemplo, quando assistimos O Massacre da Serra Elétrica e descobrimos que Leatherface não é um cruel assassino, mas uma criança boba – que quer apenas agradar seus parentes. E ainda assim, as imagens estão lá: quem espera ficar horrorizado com pessoas sendo serradas ao meio, talvez descubra imagens muito mais potentes advindas de um jantar em família.

Além disso, há um caráter ritualístico – quase religioso nas imagens do horror. Afinal, quantos de nós não consideramos o filme de horror como o limiar entre a infância e a adolescência? Filmes proibidos (que ocupavam cantos afastados nas locadoras) que nos faziam imaginar por dias, semanas ou meses seus conteúdos – que não precisariam nem mesmo ser assistidos. Até que certo dia, escondidos da família, conseguimos ter acesso àquelas imagens. E ali temos certeza: se chegarmos até o fim daquela sucessão de imagens assustadoras, estaremos um passo mais próximo da vida adulta.

E se, quando criança, a imagem do horror nos amadurece – quantas vezes ela também nos fez ter o sentimento contrário depois de velhos. De nos sentir infantis quando revisitamos um filme que nos assustava e percebemos o quão bobas eram aquelas imagens.

E quantas vidas não foram mudadas por conta dessas imagens? Relacionamentos que começaram após um filme de horror? Amizades que se fortaleceram ao se juntar para assistir uma fita proibida? Ou, pessoas que simplesmente ficaram traumatizadas por uma cena em particular?

Talvez, seja isso.

A verdade é que os detratores do horror na verdade o temem. Temem não só suas imagens, mas temem também ter o curso de suas vidas alterados por elas.

Mas… não importa.

O horror não liga para ter suas imagens vistas. Ele sabe muito bem que mesmo as pessoas que jamais se desafiaram a assistir um único filme de horror, são afetadas pelo seu poder.

Afinal, o horror existe mesmo quando não é visto.

E esse talvez seja o verdadeiro poder da imagem.

Pedro Lauria é doutor em Cinema e Audiovisual pela UFF, mestre em Comunicação pela UFRJ e geógrafo formado pela PUC. Ele foi professor substituto de Narrativas e Roteiro na UFF e atualmente dá oficinas de Roteiro na UERJ. É editor chefe do Observatório de Cinema e Audiovisual da UFF. Também é diretor do pré-vestibular social PECEP.