No peito dos neuróticos também bate um coração.
Um rapaz é demitido de seu emprego como bibliotecário em uma escola.
A explicação é de que ele vem cometendo seguidas faltas sem justificativa, além dos atrasos constantes. A moça responsável por lhe dar a desagradável notícia o oferece uma carona de volta para casa, na cidade vizinha, Belo Horizonte, já que pegariam o mesmo trajeto.
Ele aceita a carona e o resto é história. Ou melhor, filme. A história desse filme o qual comentaremos pelos próximos parágrafos.
O Dia Que Te Conheci é o terceiro longa-metragem assinado pelo mineiro André Luís Novais, sucedendo Ela Volta na Quinta e Temporada. A trama é simples, porém — com o perdão do jogo de palavras — passa longe de ser simplória. Na verdade, o diretor demonstra admirável habilidade ao inserir os dramas pessoais da dupla protagonista com sutileza, de modo que eles jamais soam gratuitos, apelativos ou superficiais.
As angústias íntimas experienciadas por Zeca e Luisa geram fácil identificação, visto que nos encontramos num momento da história em que milhões de pessoas — este ordinário escriba incluso — lidam com diversas problemáticas relativas à saúde mental ou conhecem alguém próximo que passa por algo semelhante.
O filme também é sutil ao lidar com outras questões incômodas, como o tensionamento racial que é parte integrante do cotidiano brasileiro, a exemplo da cena na qual a mãe de uma aluna da escola em que Zeca trabalhava, pergunta a identidade de uma icônica figura negra pintada no muro atrás deles por intermédio de um diálogo aparentemente banal, mas que gera um convite à reflexão sem a necessidade de recorrer a uma lógica panfletária.
Logicamente há espaço para o riso também, O Dia Que Te Conheci irradia graça culposa e confessa, Renato Novaes e Grace Passô, intérpretes do duo principal, exalam forte sintonia em cena, extraindo espirituosidade de ocasiões nitidamente desconfortáveis e facilmente perceptíveis — em especial, creio eu, para solteiros e solteiras que lidam com algum tipo de transtorno mental e precisam enfrentar seus demônios interiores durante um date —, há momentos na reta final do filme que são impagáveis.
Em suma, temos diante de nós uma produção desprovida de qualquer resquício de reserva ao se assumir no papel que lhe cabe: uma autêntica comédia romântica com doses homeopáticas de drama (a infame dramédia, diriam alguns, ou filme de Sessão da Tarde, falariam meus contemporâneos).
O longa de Novais também deveria ser assistido por aqueles que insistem em proclamar que o cinema brasileiro se limita à tríade favela/sertão/sacanagem — sendo que, obviamente, abordar quaisquer desses assuntos jamais será um problema por si só — e para os prepotentes que destilam preconceito gratuito contra filmes de gênero como tentativa desesperada de exalar uma superioridade intelectual inexistente.
O Dia Que Te Conheci traz consigo o mérito de nos lembrar que risada e introspecção podem coexistir, sem a necessidade de se adotar uma abordagem que seja genérica, pedante ou menospreze o senso crítico do público.
Suavidade e peso não são conceitos que necessariamente se excluem e, quando bem administrados, mostram-se capazes de gerar uma obra que entretém e cativa.
No fim das contas, em dados momentos, tudo o que a gente quer é sentir o aconchegante abraço de um filme, não é mesmo?
O filme estreia nos cinemas dia 26 de setembro.