cinema sob uma perspectiva contra-hegemônica

Sexta-Feira 13: Cleiton Lopes

O convidado da segunda edição da coluna Sexta-Feira 13 é o simpaticíssimo Cleiton Lopes, que vai nos brindar com suas primeiras memórias com o cinema de horror.

Sempre que visito minhas memórias cinéfilas da infância, eu lembro que fui uma criança “Sessão da Tarde”. Isso quer dizer que eu assistia a produções em que cachorros se perdiam de seus donos na mudança e passavam o filme inteiro tentando encontrá-lo. Bingo – Esperto pra cachorro (1991) era um dos meus favoritos no estilo. Junto deles, tinham dramas que depois de adulto eu ficava impressionado com o que eu assistia. Eram títulos como Um Mundo Perfeito (1993) – que me assustei quando descobri que a direção era de Clint Eastwood – A Cura (1995) e Meu Primeiro Amor (1991). Sempre que passavam eu assistia e eram lágrimas na certa. Em oposição a isso, existiam os estranhos filmes do “Cinema em Casa” como O Ataque dos Vermes Malditos (1990), A Volta dos Mortos Vivos (1985) e diversos da franquia Brinquedo Assassino. Eu evitava ligar no canal do Sílvio Santos, pois ficava com muito medo e preferia assistir o cão voltar feliz para o colo do dono no final do filme. Vez ou outra eu ousava uma espiada para ver o que estava acontecendo – às vezes tinha algo do meu agrado – mas, na maioria das vezes, era algo assustador. Eu tinha a sorte danada de toda vez ligar lá e ver a cena de Brinquedo Assassino 2 (1990) em que Chucky está numa fábrica de brinquedos e, após passar por uma máquina, ele sai com seu corpo todo derretido, mas ainda se mexendo. Rapidamente voltava para o cachorro feliz. Esse “trauma de infância” – pensa bem, era um brinquedo querendo matar seu próprio dono – me fez ficar afastado do terror durante muito tempo.

Um pouco mais velho, teve um título que mudou as coisas e me pegou desde a primeira vez que o vi: Pânico (1996). Eu ainda era muito novo quando esse filme estourou. A turma que era mais velha que eu, logo, adolescentes, viviam falando sobre. Era um fenômeno teen da época. E, em algum momento mais tarde, ele me pegou também. Eu não lembro mais se aluguei, se foi numa daquelas sessões que juntava uma galera na casa de um amigo, alugava uma fita e ia assistir ou mesmo se passou na TV e eu vi por lá. Só sei que eu fiquei viciado na franquia e assistia aos filmes frequentemente. Acho que o que me pegou foi o fato de tentar descobrir quem era o assassino. Porque, naquela época, eu imaginava que terror envolvia apenas coisas sobrenaturais, monstros e coisas do tipo. Pânico, já eram assassinos tentando matar adolescentes que buscavam sobreviver em meio a provas da escola ou da faculdade. Essa “busca pelo assassino”, combina muito com o tipo de filme que eu gostava bastante e ainda gosto, que é o suspense. Então, foi um pequeno passo em direção ao terror.

Passaram-se os anos, e apesar de gostar muito de Pânico, ter me formado em cinema na faculdade e visto alguns filmes como O Iluminado (1980) – que é muito mais um “filme do Kubrick” do que terror – eu ainda evitava as produções do gênero. Agora nem era por medo, pelo menos não igual ao que eu sentia na infância, mas por não me agradar mesmo. Acho que foi aquela raiz lá de traz. Mas, o que ocorreu é que aqui em Belo Horizonte, onde moro atualmente, ocorreu uma mostra no Cine Humberto Mauro, uma sala de cinema pública que ocorre várias mostras e atividades formativas, uma mostra chamada Terror da Década de 1990. E um dos filmes exibidos foi justamente o primeiro Pânico. Como eu tinha assistido ao longa apenas em casa, eu resolvi ir ver essa sessão na tela grande. Além de que, ainda haveria, após a sessão, comentários sobre o filme. Foi aí que tudo mudou.

O filme Pânico, foi todo elaborado com referências no universo do terror. A começar pela forma que os assassinatos acontecem. Os assassinos ligam para a casa de suas vítimas fazendo perguntas a respeito do universo dos filmes do gênero, caso a pessoa não acerte, ela é assassinada. Para além desse momento, diversos diálogos fazem referência a clássicos como Psicose (1960), O Exorcista (1973), Sexta-Feira 13 (1980) e A Hora do Pesadelo (1984). Com tanta referência, os comentários giraram em torno de contar de forma resumida a evolução do gênero, desde seu surgimento ainda no cinema silencioso até chegar na década de 1990, em que o filme se passa. Munido de meu caderninho de anotações, anotei os títulos de uma série de filmes que não conhecia ou somente de nome. Estava superado o trauma. A conversa foi tão interessante, sobre o que se tratava o terror, as relações dele com a história da humanidade que acabou me conquistando. Saindo dali, comecei a assistir a todos os títulos que ele tinha recomendado, as franquias que nunca tinha visto e explorando todas as possibilidades que existiam. O estrago estava feito. Nasceu ali um fã de filmes de terror.

Cleiton Lopes é cinéfilo desde sempre, é crítico de cinema e pesquisador, formado em Cinema e Audiovisual pelo Centro Universitário UNA e Mestre em Cinema pela Escola de Belas Artes (EBA) da UFMG.