cinema sob uma perspectiva contra-hegemônica

Quando Eu Me Encontrar

Sobre as ausências que nos movem.

Há uma série de filmes que retratam os dilemas, incertezas e angústias vivenciados pelos jovens que estão passando pela espinhosa transição da adolescência para a vida adulta, inclusive existe um termo em inglês comumente utilizado para designar tal subgênero cinematográfico: coming of age, que poderia ser livremente traduzido para filme de formação ou filme de amadurecimento em português.

Quando Eu Me Encontrar, que tem a adolescente Mariana como uma de suas protagonistas, certamente toma para si diversos clichês inerentes ao coming of age: somos apresentados à sua rotina escolar e a dificuldade que possui em fazer amizades com colegas de classe que pertencem a outra classe social, visto que ela é bolsista no colégio onde a mãe trabalha na cantina, assim como os confrontos que irão permear a sua relação com a progenitora.

No entanto, seria simplista por demais resumir essa obra a uma espécie de coming of age à brasileira, haja vista que a abrupta partida de Dayane servirá como plano de fundo que irá atuar como um agente catalisador dos conflitos internos/externos vivenciados por uma tríade de personagens: a já mencionada Mariana, sua irmã caçula, a mãe Marluce e o noivo Antônio, que serão surpreendidos com a notícia de que decidiu ir embora de casa, deixando apenas um bilhete com o informe, sem qualquer tipo de detalhe.

A partir daí, essas três figuras diretamente afetadas pelo ocorrido, lidarão cada uma à sua maneira com o peso daquela falta, e é nessa equação que reside a força do filme.

As diretoras cearenses Amanda Pontes e Michelline Helen, estreando em longas-metragens, demonstram evidente aptidão ao conseguir forjar uma atmosfera de constante incômodo em torno daquelas pessoas que constituíam o núcleo familiar de Dayane, que acaba por fazer as vezes de um sujeito fantasmagórico, praticamente invisível, transferindo aos atores em cena a responsabilidade de expressar a dor — tanto num tom mais expressivo, quanto tácito, conforme o personagem ou o contexto retratado — pela sua ausência.

A sutileza dos olhares em seus tons de desolação e vazio, a tentativa vã de aceitar aquele ato tão súbito, a inquietude que logo transforma-se em revolta, tudo isso é costurado sob um tom que nos soa genuíno.

Em contrapartida, há um certo acúmulo de situações enfileiradas num curto espaço de tempo que criam a sensação de que aqueles impasses poderiam ter sido explorados de forma mais minuciosa e menos apressada, em especial o incômodo reencontro de Marluce com a sua mãe, possuidor de uma carga dramática cujo potencial resulta desperdiçado.

Da mesma forma que a violência sofrida por uma pessoa bem próxima de Mariana parece ficar afunilada em meio aos demais embates.

Sob essa perspectiva, o arco de Antônio, até então o noivo de Dayane, parece ser o mais bem resolvido da trama, no sentido de engendrar uma trajetória com começo e fim bem delimitados, partindo do desespero pela não aceitação até uma aparente resignação, concluindo desta forma o seu processo de luto e convertendo-o em um provável estopim para o recomeço de sua trajetória.

A despeito da celeridade apontada anteriormente, Quando Eu Me Encontrar ilustra com competência os impactos emocionais ocasionados por um vazio que jamais dá mostras de que será preenchido.

A desolação está posta e não há espaço para qualquer resquício de esperança; em dada medida reina um clima de que aquele ato supostamente intempestivo era nada mais do que uma questão de tempo para que ocorresse.

Em paralelo, o repertório com o qual os personagens alvejados pela mesma transição traumática se valerão para lidar com a latência daquela ferida aberta é individualizado, porém sem abrir mão de respeitar as suas respectivas particularidades, de maneira a reconfigurar a angústia da separação em um ciclo de perpétuo aprendizado.

O filme estreia nos cinemas dia 19 de setembro.