Filme dirigido pelos irmãos Cameron Cairnes e Colin Cairnes estreia nesta quinta nos cinemas nacionais
O brasileiro sabe muito bem o horror que pode ser a busca de por audiência na TV. Nós já tivemos a presença de figuras como o folclórico Toninho do Diabo em diversos programas de auditório. Também tivemos situações bem bizarras como o programa do finado Gugu Liberato fazendo uma entrevista a um falso integrante do PCC e o apresentador Ratinho levando crianças ao choro ao acompanharem, no palco, um teste de DNA para descobrirem a paternidade delas. Como podem ver, tosquice, baixaria, preconceito e desespero sempre fizeram parte da nossa ao acompanhar a TV, sobretudo nos anos 90.
Não é nenhum escândalo, portanto, ver um apresentador tentar trazer um demônio para o palco do seu programa como acontece em Entrevista com o Demônio (no original Late Night with the Devil). Porém transformar a busca incessante e insensata por audiência num elemento de horror é algo que podemos entender perfeitamente. Na trama do filme dirigido pelos irmãos Cameron Cairnes e Colin Cairnes, que se passa em 1977, temos um apresentador de um programa de auditório, que já foi um sucesso mas estava com a audiência em declínio, lutando para manter sua atração no ar. Para isso, sua última cartada é uma apresentação especial de Halloween, onde planeja trazer uma menina que estaria com um demônio convivendo em seu corpo. É óbvio que a coisa desanda, sai totalmente do controle e o resultado são mortes e desespero, com direito a uma boa dose de gore.
O filme é um terror found footage, as imagens a que temos acesso são as gravações do dia do programa – que foi ao ar ao vivo – exibidas por uma matéria sobre Jack Delroy (David Dastmalchian), o apresentador. Além de uma caracterização muito bem feita da época, as imagens se apresentam no formato 4:3 – clássico de TV até o início dos anos 2000 – com uma resolução típica de imagens VHS. Isso é suficiente para dar a impressão de que estamos assistindo a um caso real.
Outro elemento bem construído é a tensão que vemos se escalonando até descambar no horror. Acontecimentos vão se sucedendo, intercalados por imagens dos bastidores do programa que mostram a apreensão de Jack Delroy pelo sucesso de seu espetáculo. E aqui abro parênteses para elogiar a atuação de David Dastmalchian, o apresentador vivido por ele mostra-se preocupado e apreensivo com o futuro do programa, obcecado por elevar os ídices de audiência e confuso e desesperado quando o caos começa a tomar conta. Tudo isso é muito bem transmitido pela interpretação do ator. E, por falar em caos, quanto mais toscos e bizarros são os fatos ocorridos ao vivo, mais o produtor vem falar com Delroy sobre a evolução positiva da audiência. Falso vidente vomitando em jato em cima de outro convidado, o convidado cético que perde o controle de sua demonstração de hipnose, são exemplos desses eventos insólitos que vão escalonando até o demônio surgir possuindo a jovem Lilly (Ingrid Torelli), inicialmente sob o suposto controle da psicóloga June, mas que, obviamente, a situação se descontrola e degringola e mais eventos absurdos e impactantes.
Entrevista com o Demônio lança mão de uma figura maligna, do sobrenatural, para representar o horror, que na verdade está, de fato, na busca da audiência a todo e qualquer custo. Na prática de programas televisivos transformarem o horror em espetáculo. E cabe também a nós, enquanto consumidores de programas, seja na TV ou na internet, refletirmos o quanto também alimentamos essa espetacularização do horror.