cinema sob uma perspectiva contra-hegemônica

“O Homem dos Sonhos”: Freud e Nicolas Cage explicam

Filme que chega agora, neste fim de semana de Páscoa, aos cinemas nacionais é dirigido por Kristoffer Borgli, que já havia chamado atenção com o elogiado “Doente de Mim Mesma”, de 2022.

“O Homem dos Sonhos” é o longa metragem escrito e dirigido pelo norueguês Kristoffer Borgli que traz Nicolas Cage no papel de Paul Matthews, um professor universitário um tanto quanto frustrado que, de uma hora para outra, se vê no centro de um grande fenômeno, ele simplesmente surge nos sonhos de milhões pessoas de forma aleatória. Então ele é alçado a posição de uma subcelebridade.

A partir daí vemos o diretor trabalhar com o contemporâneo culto à imagem, com a necessidade de a sociedade capitalista de criar essas subcelebridades meteóricas e, do nada, destruí-las na mesma velocidade. O próprio personagem de Cage, que se sentia frustrado e invisibilizado, se deixa seduzir por todo o interesse em torno de sua pessoa. A cena de sua turma cheia e Paul fazendo da sua aula uma contação dos sonhos que cada um teve com ele é emblemática. Outra crítica interessante, e que conta com uma sequência engraçada, é a com o personagem de Michael Cera que é uma espécie de chefe de uma agência de marketing. Ali vemos uma tentativa de explorar o fetiche capitalista pela imagem. A ideia de usar um Sprite para induzir o sonho com o refrigerante é ótima. Mostrando que, no mundo capitalista, não só a sua imagem, mas até o seu sonho pode ser mercadoria.

Outra reflexão interessante que pode ser levantada é relativa aos sonhos. Freud, em “A Interpretação dos Sonhos”, trata os sonhos como a “via régia de acesso ao conhecimento do inconsciente na vida mental”. Como disse acima, Paul Matthews é um professor universitário que demonstra certa frustração com sua vida, além disso, passa um certo comodismo, uma passividade. Tanto que ele fala tanto de um livro, no início do filme, que sequer havia posto qualquer ideia no papel. E talvez seja essa passividade que apareça nos sonhos das pessoas logo no primeiro ato do filme. Nós somos apresentados aos sonhos mais esquisitos e bizarros possíveis e em que inusitadamente aparece o personagem de Cage simplesmente de forma passiva. Fazendo absolutamente nada. Acontece que, conforme Paul vai modificando seu comportamento no filme, coincidentemente ou não seu comportamento nos sonhos também muda. E daqui eu não avanço para não entrar em terreno de spoiler. Porém já é o suficiente para apontar que a forma de Paul se portar nos sonhos alheios pode ser um reflexo insólito de seus anseios e frustrações no mundo real.

Kristoffer Borgli, cuja direção já havia chamado a atenção em “Doente de Mim de Mesma”, de 2022, volta a mostrar o talento de misturar comédia, horror e crítica e aqui em “O Homem dos Sonhos”. Ele constrói muito bem uma atmosfera de humor ácido que vai deixando no ar uma tensão que vai escalonando. Os elementos de horror são muito bem inseridos. Tudo está muito bem equilibrado. Assim como está digna de muito elogio a interpretação de Nicolas Cage. Ele contribui bastante tanto para o humor na medida certa, quanto para a tensão que vai se criando. Outra atuação que merece destaque é a de Julianne Nicholson que interpreta Janete, a esposa de Paul. Ela consegue passar muito bem o cansaço e o desgaste da personagem com toda a situação que passa a envolver o marido.

“O Homem dos Sonhos” mostra ser um filme muito bem dirigido, com o tom bem equilibrado entre comédia, horror, crítica social, reflexões psicanalíticas e uma pitada de romance, e com boas atuações. É um meio muito bom para nos lembrar daquilo que não podemos controlar: nossas frustrações, nossos sonhos, nossos pesadelos e, tampouco, julgamentos alheios, as imagens que os outros fazem de nós.

Nilvio Pessanha é professor da rede pública de ensino do Rio de Janeiro e tenta atacar de crítico de cinema nas horas vagas.