Novo filme do lagarto gigante japonês retoma seu início onde busca mostrar o que a segunda guerra significou para os japoneses
Por Nilvio Pessanha
Breve contexto histórico
Na madrugada do dia 6 de agosto de 1945, um avião B-29 estadunidense lançou uma bomba atômica sobre Hiroshima, cidade japonesa de mais de 250 mil habitantes. A explosão causou uma onda de calor de mais de 4.000°C em um raio de cerca de 4,5 km e mediatamente destruiu tudo num raio de dois quilômetros e matou algo entre 70 mil e 100 mil pessoas. Três dias depois, outra bomba seria lançada na cidade de Nagasaki e algo em torno de 30 mil e 50 mil pessoas foram vitimadas no dia da explosão.
Nove anos depois, em 1954, era lançado “Godzilla” – ou “Gojira” – que simbolizava justamente os horrores do ataque nuclear. O monstro era uma das consequências da radiação oriunda de testes nucleares. Godzilla foi criação do produtor Tomoyuki Tanaka – produziu a maioria dos filmes sobre o monstro de 1954 a 1995 – e do diretor Ishiro Honda – que também dirigiu vários filmes do personagem. O filme se tornou um sucesso e gerou várias sequências com o icônico lagarto gigante que conquistou não só o Japão, mas o mundo ocidental. Ganhou várias versões em Hollyood.
Versão 2023
Agora chega aos cinemas uma nova versão do monstro japonês, “Godzilla Minus One”, onde o kaiju retorna às suas origens. O filme volta a ser produzido pela Toho, produtora responsável pelos primeiros longas do monstro gigante. Além disso, com direção de Takashi Yamazaki, “Godzilla Minus One” retoma a questão da referência à Segunda Guerra presente no filme de 1954. Porém, se no longa dirigido por Ishiro Honda a referência era menos direta, neste de Yamazaki a Segunda Guerra se faz presente o tempo inteiro. “Godzilla Minus One” acompanha Koichi Shikishima, um piloto de um esquadrão kamikaze, que vive atormentado por fugir de sua missão e por se sentir responsável pela morte de seus colegas. Shikishima diz várias vezes durante o filme que, para ele, a guerra não acabou. E aqui destaco um primeiro grande acerto do filme e um grande diferencial em relação às versões estadunidenses. O foco nos personagens humanos. O filme foca nos traumas de Shikishima e na sua relação com Noriko Oishi e com a criança que mora com eles. O desenvolvimento do arco dramático desses personagens dá grande peso à história. Por exemplo, além de o protagonista dizer que a guerra não terminou para ele, as imagens também mostram, o personagem aparece o tempo inteiro retraído, cabisbaixo, como se algo o impedisse de se expor. Além disso, numa passagem em que ele e colegas estão num cômodo falando sobre o plano para matar Godzilla, quando abre mais o plano, aparece de um lado da tela esse cômodo ilumina e do outro a criança brincando num outro canto escuro da casa. Ali fica claro que naquele momento não há como o personagem focar em algo que não seja resolver esse seu conflito interno.
Vale lembrar que o Japão da época era muito militarizado e o primeiro ministro era um militar, o general Hideki Tojo, que mesmo sendo impopular e enfrentando a opinião da maioria da população contrária à guerra, era um ultranacionalista e acreditava que a melhor maneira de combater o comunismo e a influência estadunidense era atacando, mesmo que para isso o país tivesse que ficar ao lado de nazistas. Não é à toa que críticas à guerra e ao governo japonês surgem constantemente no filme. A guerra surge como um elemento traumático para as pessoas. Algo do qual não sentem orgulho algum. O local onde Shikishima vive é um reflexo da desolação do pós-guerra, pessoas vivendo em habitações precárias e com pouquíssimo acesso a alimentos. A oportunidade de derrotar Godzilla aparece como uma chance de se redimir, não só para o protagonista, mas para os demais personagens que participaram da guerra.
Falando em Godzilla, ele é um show à parte. Os efeitos são ótimos, o monstro é realmente assustador, é aterrorizante. E a toda a sequência da destruição que ele provoca em Tóquio simboliza muito bem os horrores da devastação de uma explosão nuclear. Não sobra nada após a passagem do kaiju.
O filme traz personagens e a relação entre eles bem desenvolvidos, uma questão sociopolítica bem colocada e um Godzilla assustador com efeitos muito bem feitos. “Godzilla Minus One” é o bom filho voltando à casa em grande estilo.
Nilvio Pessanha é professor da rede pública, produz o podcast Cine Trincheiras e é um curioso sobre cinema, além de ser vascaíno.